Pintura de aquarela ilustrando Teotônio Segurado, feita por Kátia Maia Flores
Arquivo pessoal/Kátia Maia Flores
Desde sua inauguração em 1990, a principal avenida de Palmas, que corta a cidade de norte a sul, levou o nome de Joaquim Teotônio Segurado por mais de três décadas. Isso mudou no início de outubro, quando a Câmara Municipal aprovou e a prefeitura sancionou a mudança do nome para Avenida Siqueira Campos.
O novo nome faz homenagem a José Wilson Siqueira Campos, considerado o ‘criador do Tocantins’ por atuar diretamente no movimento de emancipação no norte de Goiás, que se efetivou em 1988, junto com o nascimento da Constituição Federal. Ele foi o primeiro governador do Tocantins e ocupou o cargo por quatro mandatos, entre os anos de 1989 e 2014.
A alteração no nome da avenida gerou insatisfação de parte da população e o prefeito Eduardo Siqueira (Podemos), filho do ex-governador, respondeu: “ganhe uma eleição.”

O nome, a história e a importância de Siqueira Campos são conhecidos da atual população. Entretanto, a história de Joaquim Teotônio Segurado não é tão comum a parte dos tocantinenses.
A historiadora e professora titular aposentada da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Kátia Maia Flores, deu detalhes sobre a importância deste personagem histórico para levar melhorias à antiga Comarca do Norte, território esquecido do norte de Goiás, onde hoje é o Tocantins.
Promoção da navegação nos rios Tocantins e Araguaia, inaugurando um capítulo no transporte e na comunicação da região com os portos do norte do Brasil;
Abertura de um porto em Santa Rita, fundação de um presídio na foz do Rio Manoel Alves, medidas para dar viabilidade a essa navegação;
Como a princípio a sede da comarca seria chamada de São João das Duas Barras, vila que não chegou a ser fundada, ele conseguiu com a Corte a mudança da localização da sede devido à distância do centro e do sul da província, onde se situava a comarca.
Fundou a vila de São João da Palma, onde hoje é Paranã, sul do Tocantins, e o presídio de Santa Maria, mais ao norte da capitania.
Também foi responsável pela formação de uma sociedade mercantil para comércio entre Goiás e Pará, com direito de exploração por 15 anos, entre outros privilégios concedidos pela coroa portuguesa.
Entenda como será a mudança do nome da Avenida Teotônio Segurado para Siqueira Campos
Nascimento e formação
Joaquim Teotônio Segurado era português. Nasceu em Moura, província do Alentejo, no sul de Portugal, em 1775. Segundo a historiadora, ele fazia parte de uma família conhecida pela ‘nobreza de sangue’, era um ‘fidalgo’. Nesse sentido, ele fazia parte de um círculo que integrava a camada mais importante de Portugal.
Estudou na Universidade de Coimbra e se formou em Leis, que era um passo necessário para entrar na magistratura portuguesa. Kátia explicou que dentro da formação em Coimbra, havia os cursos de Leis e Direito, entretanto, um formava para a magistratura e o outro para a advocacia.
“Teotônio Segurado se formou em Leis e, de imediato, se submeteu ao exame de bacharel, que é o equivalente hoje ao exame da ordem, mas era um exame que o aluno formado na universidade tinha que fazer e que versava mais sobre a sua vida, se ele era nobre, se ele era de família nobre, se alguém na família dele tinha exercido algum trabalho manual, porque isso era pejorativo para a pessoa. Então ele tinha que ter as condições que eram exigidas para o exercício da magistratura”, destacou a historiadora e professora.
Na carreira, também foi juiz de fora em Melgaço, Portugal, um cargo concedido pelo rei, por três anos e após esse período, foi nomeado como Ouvidoria Geral da província de Goiás. Em 1804, Joaquim Teotônio Segurado chega a Goiás para assumir a função.
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Avenida Teotônio Segurado, que se tornou Siqueira Campos
Djavan Barbosa/TV Anhanguera
Trajetória no Brasil colônia
O contexto histórico, segundo a historiadora e professora, era de sucessivas crises e escândalos envolvendo governadores e ouvidores. Além de Teotônio Segurado, assumiu como governador da província Francisco de Assis Mascarenhas. Naquele período, a administração da província era feita pelos representantes dos dois cargos.
Goiás foi criada por causa das minas, mas elas não rendiam o suficiente para manter a província, o que causou uma crise econômica.
“Goiás vivia uma crise sem precedentes. O Francisco de Assis Mascarenhas divide o poder com o Teotônio Segurado, que era um homem muito inteligente, era um homem bem formado. Então, ele delega para o Teotônio Segurado cuidar da parte norte e ele cuidaria ali da parte de Goiás próximo a Boa Vista. E Teotônio ocupa muito bem esse espaço. Ele fica muito desenvolto, assume um espaço de poder muito importante, que era muito solicitado por parte dos nortistas”, afirmou Kátia.
Já no norte de Goiás, um dos problemas enfrentados dizia respeito à navegação nos rios Tocantins e Araguaia, ponto defendido por Teotônio.
“A navegação no Rio Tocantins era proibida por conta dos descaminhos do ouro. Então Teotônio Segurado começa a fazer uma gestão junto ao governador para que ele, junto à Coroa Portuguesa, iniciasse a comunicação com o Pará através principalmente dos rios”, disse.
Teotônio elaborou um documento de memórias apontando os diversos problemas que Goiás enfrentava e as possíveis soluções. Esse material, segundo a historiadora, foi de grande importância por estabelecer uma geopolítica nova para o norte de Goiás, principalmente pela dificuldade na navegação, no sentido de possibilitar o envio de produtos para o porto de Belém, e para que chegassem à Europa.
Na economia, ele defendia que o gado fosse comercializado com a Bahia e que tivesse também o comércio com o Pará da carne salgada. “Ele propõe colocar Goiás em comunicação como norte do País e com o centro-sul, por meio de estradas”.
Em 1809, foi criada a Comarca do Norte, chamada de São João das Duas Barras, uma demanda que surgiu de reivindicações de governadores. Então Teotônio passou a ser ouvidor de Goiás e da Comarca do Norte. Conforme a historiadora, ele ocupou o cargo de 1804 a 1822, uma situação nada comum para a época, pois os ouvidores ocupavam os cargos por cerca de três anos. Isso teve relação com o prestígio que ele conquistou.
Início do ideal de emancipação do Norte
Eventos históricos ligados às Cortes de Portugal fizeram com que Teotônio fosse eleito deputado para representar a província de Goiás na Constituinte Extraordinária das Cortes Reunidas de Brasil, Portugal e Algarves.
Antes de partir para Portugal, voltou para a Comarca do Norte e encontrou um terreno propício para essa emancipação, inclusive, segundo Kátia, trazendo à tona todos os conflitos com o então governador da província, Manuel Inácio de Sampaio.
“Junto com outras lideranças insatisfeitas com o governador Sampaio, organizam um movimento que declara a independência do norte com relação ao sul de Goiás. Nesse momento eles promovem a eleição do representante da província de São João da Palma, para representar a província nas Cortes Portuguesas. Ele é eleito e vai para Portugal como representante tanto de Goiás como de São João da Palma, e reivindica a efetivação da província. Só que a Corte Portuguesa não aceita”, afirmou.
Mesmo após o Brasil entrar no período Imperial, a reivindicação não voltou a ser aceita por Pedro I, pois outras regiões tinham o mesmo desejo de independência.
“As medidas propostas por Teotônio incentivavam a ocupação das terras próximas ao Rio Tocantins e Araguaia, para que houvesse mais segurança na navegação e até mesmo para garantir o atendimento das necessidades dos comerciantes”, destacou Kátia, afirmando que a ‘insistência’ de Teotônio junto à Corte pelas medidas foi importante para que Goiás saísse da situação que se encontrava.
Fim da vida e importância para o Tocantins
Joaquim Teotônio Segurado estabeleceu residência na então vila de São João da Palma, hoje Paranã. Pela forte atuação nos movimentos de emancipação, foi perseguido e chegou a ter os bens cassados. Mas mesmo assim, permaneceu na região, onde foi assassinado no dia 14 de outubro de 1831.
A professora destacou que apesar de enfrentar diversos problemas ligados à sua atuação, Teotônio Segurado escolheu permanecer no Brasil.
“Ele estabeleceu relações não só com a região, mas com as pessoas da região. Ele era português, tinha família em Portugal, mas ele escolheu viver no Brasil. Mesmo derrotado nas cortes quando não aceitaram a província de São João das Duas Barras, quando ele volta no ostracismo para o Brasil, ele escolhe permanecer. Os filhos dele permanecem, trabalham e morrem no Brasil”, comentou, ressaltando que a morte dele ainda é considerada um mistério com relação à autoria.
Com diversas pesquisas acerca da criação do Tocantins, Kátia afirmou que é preciso discutir os apagamentos relacionados aos que atuaram nos diversos períodos em que se tratou a emancipação da região onde hoje é o estado do Tocantins.
“Penso a história como uma forma de preservação de fragmentos do passado. Nossa história tem referências nesse passado preservado e transmitido às outras gerações”, concluiu.
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Fonte: G1 Tocantins